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POR UMA CARIDADE PREVENTIVA.

1. “Nada se faz sem tempo”, diz-nos a sabedoria popular. E o livro do Eclesiastes acrescenta: “para tudo há um momento e um tempo para cada coisa que se deseja debaixo do céu” (Ecl 3,1). Uma vez chegados à Quaresma, é-nos oferecido um tempo onde podemos fazer muita coisa. São 40 oportunidades (40 dias) para mudarmos o significado dos hábitos, isto é, de fazermos as mesmas coisas mas com a consciência da oração, do jejum e da esmola. Na verdade, não pretendemos que a Quaresma seja apenas mais um tempo do calendário litúrgico, mais um tempo de carácter penitencial ou mais um tempo inútil, masque seja, acima de tudo, um tempo e um teste de conversão progressiva.


2. Na sua mensagem, o Papa Francisco desafia-nos a “ver, tocar e a ocuparmo-nos das misérias dos nossos irmãos”[1]. E identifica três tipos de miséria: a miséria espiritual (esquecimento de Deus) a miséria moral (escravidão do pecado) e a miséria material (falta de bens essenciais), dando resposta a cada tipo de miséria. Por isso, auscultados os respectivos órgãos arquidiocesanos, decidi que o contributo quaresmal, expressão da nossa liberdade e compromisso cristão, reverterá este ano para o Fundo Partilhar com Esperança, a partir do qual continuamos a responder às necessidades materiais dos mais carenciados, e para a Diocese de Pemba (Moçambique), ajudando-a nas suas necessidadespastorais.


3. Ao revisitarmos o plano pastoral da Arquidiocese, que faz a ponte entre a fé professada e a fé celebrada, compreendemos que na liturgia afinal não celebramos uma mera doutrina teórica, mas o acontecimento concreto da nossa salvação realizada em Jesus Cristo. A celebração do mistério pascal de Cristo é a celebração da salvação do ser humano que se faz realidade na morte e ressurreição de Jesus Cristo. A liturgia é, assim, um lugar privilegiado onde Cristo se torna presente na comunidade cristã e a Quaresma, um tempo privilegiado para meditarmos nos principais momentos da Sua vida pública, que culminou no alto da Cruz. Nesta consciência, gostaria apenas de deixar-vos uma pergunta a ser interiorizada durante este tempo: será que as nossas celebrações convidam realmente a um encontropessoal e comunitário com Cristo, concretizado num encontro com os mais carenciados?[2]


4. Se a caminhada quaresmal, entre outras coisas, nos convida à renúncia para dar dignidade de vida às pessoas que experimentam a “miséria material, espiritual e moral”, devemos ser ainda mais concretos e, alargando o olhar, sermos capazes de ver o mundo com os olhos da fé, para o crentes, e na linha duma sociedade mais justa a construir também pelos não crentes. A todos me atrevo a perguntar sobre as coisas que diariamente desperdiçam e que, eventualmente, poderia encontrar-se outros modos de as rentabilizar em prol dos carenciados. Por outro lado, atrevo-me ainda a lançar um desafio quotidiano, oriundo da cidade de Nápoles (Itália), denominado de “café suspenso”. Trata-se da doação que uma pessoa faz desta bebida a uma pessoa necessitada. Exemplificando, alguém chega a um estabelecimento comercial/restauração, pede um café e, no fim, em vez de pagar só aquele café, paga dois, deixando o consumo deste segundo café para alguém necessitado que o peça mais tarde naquele mesmo estabelecimento. Ou seja, o segundo café fica pago e “emsuspenso” até ser requisitado e consumido por alguém necessitado. Mas quem fala de um café, porque não falarmos também de um “pão suspenso”, “refeições suspensas”, “medicamentos suspensos” ou “roupas suspensas”? Mediante este gesto de caridade, ao alcance de todos nós, creio que estaremos a combater de um modo directo a denominada “pobreza envergonhada”, que já afecta muita gente da classe média. Todavia, para que isto resulte com clareza e sentido cristão é preciso apelar, obviamente, à devida responsabilidade dos comerciantes na gestão destes bens alimentares “em suspenso”. Desta forma, convido os párocos, e respectivas equipas socio-caritativas, a desenvolver esta ideia nas suas paróquias, identificando os comerciantes interessados neste gesto e instruindo-os para tal iniciativa, dando orientações muito concretas para que ninguém, comerciante ou carenciado, se possaaproveitar indevidamente.


5. Por fim, e revisitando a mensagem do Papa para o Dia Mundial da Juventude, desafio ainda os nossos jovens à “particular tarefa de colocar a solidariedade no centro da cultura humana”[3]. Por tudo isto, desejo uma boa caminhada quaresmal a todos nós, na certeza deque da Cruz de Cristo radiará uma luz carregada de sentido para as nossas vidas!


+ Jorge Ortiga, A.P.26 de Fevereiro de 2014.


[1] Papa Francisco, Fez-se pobre, para nos enriquecer com a sua pobreza. Mensagem para a Quaresma 2014.

[2] Arquidiocese de Braga, Programa Pastoral 2013-14, 13.

[3] Papa Francisco, Felizes os pobres em espírito, porque deles é o Reino do Céu.Mensagem para o Dia Mundial da Juventude.


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